O Mito da Autenticidade Radical: Podemos Realmente Ser “Nós Mesmos” em um Mundo de Influências?
A busca pela autenticidade se tornou um ideal moderno, mas até que ponto somos verdadeiros ou apenas reflexos do que nos cerca? Uma reflexão profunda sobre identidade, influência e o mito do "ser você mesmo".
temasglobais.com
5/18/20253 min read


O dilema de ser “você mesmo”
“Seja você mesmo.”
“Autenticidade é tudo.”
“Encontre sua verdade.”
Essas frases, repetidas como mantras da era digital, são hoje slogans emocionais. Estão nos perfis das redes sociais, em campanhas publicitárias e até em livros de autoajuda. Vivemos um tempo em que a autenticidade se tornou uma marca pessoal, algo a ser performado, mostrado, validado.
Mas algo estranho acontece quando tentamos “ser nós mesmos” com tanta intensidade: a própria busca pela autenticidade começa a parecer… artificial.
Será que é possível ser totalmente autêntico em um mundo onde somos moldados por algoritmos, modelos de comportamento e ideais culturais? Ou será que a tão desejada “essência individual” é, na verdade, um mito moderno, um espelho estilhaçado por mil influências?
A autenticidade como construção cultural
Autenticidade nem sempre foi um valor universal.
Em sociedades antigas, o indivíduo se via como parte de um todo, tribo, religião, cosmos. O ideal era cumprir um papel dentro de uma ordem maior. Não se buscava tanto “ser único”, mas ser coerente com aquilo que se esperava de você.
Foi apenas com o romantismo, e mais tarde com a modernidade, que surgiu o culto ao “eu verdadeiro”. Artistas, filósofos e poetas passaram a exaltar a originalidade, a expressão pessoal, o rompimento com convenções.
Hoje, esse ideal se desdobrou na cultura digital, onde somos convidados (e pressionados) a “encontrar nossa voz” mesmo quando a usamos em plataformas que padronizam tudo: imagem, linguagem, comportamento.
O paradoxo? A autenticidade virou uma expectativa social. E quando todos querem ser autênticos, surge uma nova norma: a da autenticidade performada.
Arquétipos e identidade: o eu como espelho
Na psicologia arquetípica, a identidade humana é vista como multiplicidade. Jung falou do “Self” como um centro profundo, mas cercado de máscaras (os “personas”) que usamos para navegar no mundo.
Essas máscaras não são mentiras, são adaptações. São formas legítimas de lidar com contextos, papéis e relações.
Quando falamos em “ser verdadeiro”, talvez estejamos buscando um centro fixo que não existe. Nossa identidade é, muitas vezes, uma colagem viva de experiências, afeições, traumas e inspirações alheias.
Somos feitos de livros que lemos, vozes que nos marcaram, músicas que nos moldaram. E isso não invalida nossa verdade, apenas desafia a ideia de que essa verdade é puramente “nossa”.
Influência: vilã ou condição inevitável?
É comum associar influência a manipulação ou superficialidade. Mas influenciar e ser influenciado são partes essenciais do existir humano. Desde o nascimento, aprendemos por imitação. Absorvemos gestos, valores, sotaques, crenças.
Na era digital, essa influência é amplificada. A cada rolar de feed, nosso senso de valor, estilo e até identidade pode se ajustar. Não porque somos fracos ou volúveis, mas porque somos permeáveis por natureza.
A questão não é se somos influenciados, mas como e por quem.
Talvez autenticidade, no mundo atual, signifique justamente escolher conscientemente as influências que queremos acolher, em vez de buscar uma essência “pura” e inalcançável.
A sombra da autenticidade: ansiedade, comparação e performance
Quando a autenticidade se torna um ideal absoluto, ela pode gerar o efeito oposto ao desejado.
Ansiedade constante: "Será que estou sendo eu mesmo ou apenas agradando os outros?"
Comparação tóxica: "Como fulano consegue ser tão autêntico e eu não?"
Performance sem pausa: a necessidade de manter uma imagem “original”, “espontânea”, “diferente” mesmo quando se está exausto.
É como tentar capturar o vento com as mãos. A autenticidade não pode ser medida por curtidas, nem conquistada por esforço. Ela é fluida, circunstancial, e muitas vezes silenciosa.
O que é ser você mesmo, afinal?
Ser você mesmo talvez não seja descobrir uma essência oculta e inalterável. Talvez seja reconhecer a dança entre o que é seu e o que é do mundo, e assumir essa dança com presença.
É ser capaz de dizer:
“Hoje, isso me representa. Amanhã, talvez não. E tudo bem.”
É perceber que mudança não é falsidade, que influência não é fraqueza, e que autenticidade não é pureza, é coerência momentânea entre o sentir, o pensar e o agir.
A autenticidade como caminho, não como meta
Em vez de tratar a autenticidade como um troféu, talvez devêssemos tratá-la como um caminho de escuta e refinamento. Um processo contínuo de voltar-se para dentro, mesmo que o “dentro” tenha sido moldado pelo “fora”.
Isso exige humildade. Coragem. Silêncio. E, sobretudo, tempo.
Ser você mesmo não é um estado. É um verbo. Algo que se faz, se erra, se refaz.
E você?
Quantas das suas escolhas realmente nasceram de você e quantas foram herdadas sem questionar? Que parte da sua “autenticidade” está tentando atender expectativas invisíveis?
Se este texto acendeu algo dentro de você, compartilhe com alguém que também se pergunta: quem sou eu, de verdade? Às vezes, uma pergunta compartilhada vale mais do que mil respostas decoradas.